Preço da saca de
farinha de 60 k alcançou R$ 200,00 na entressafra, mas caiu para R$ 160,00
A mulher ribeirinha deixa cada vez mais os afazeres
domésticos para assumir antigas tarefas do homem nas casas de farinha na região
do Baixo-Madeiro em Rondônia. No distrito de Calama, a 7 horas de barco de
Porto Velho, um grupo de trabalhadoras rurais decidiu sair da cozinha e
arregaçar as mangas para ajudar os maridos no fabrico de farinha de mandioca.
O baixo valor das aposentadorias rurais dos maridos
contribuiu para a decisão. Cansadas de esperar pela correção dos “benefícios”
cerca de um salário mínimo (R$ 724,00) e decididas a contribuir mais para o
aumento da renda familiar, ingressaram junto com os maridos na Associação dos Agroextrativistas
do Baixo-Madeira (Agrexbam).
Os relatos são sempre parecidos: “Aqui nós fazemos de tudo, plantamos,
colhemos, prensamos , torramos e peneiramos”, disse Maria Antônia Cardoso dos
Santos, casada com Alzenir Pinto França. Contou ainda ter ajudado a torrar a
massa, minutos antes da chegada do repórter à sede da entidade, às 10h30, dia
17 de agosto de 2014.
Maria de Fátima não tem mais dúvidas. É melhor ajudar o
marido na “casa de farinha” onde entre uma tarefa e outra dá tempo cozinhar o
arroz, feijão e um pedaço de carne seca ou peixe para o almoço, e retornar
somente à noite para casa.
Ela é outra agricultora que ajuda o marido em todas as etapas da
produção da farinha, desde o plantio das chamadas “manivas”, pequeno pedaço do
caule da árvore da mandioca selecionada para plantar no “roçado”, nome dado
pelos ribeirinhos às áreas de cultivo de mandioca na várzea ou em terra firme.
No distrito de Calama, a mandioca é plantada e colhida na
única área que não foi atingida pela cheia histórica do Rio Madeira, no
primeiro trimestre de 2014. Somente o agricultor João Torres de Figueiredo, 63
anos, plantou 150 quadras e começou a desmanchar (processar) com a ajuda da
mulher e dos filhos a produção.
As 150 quadras de
mandioca, segundo Figueiredo, são suficientes para a produção de 90 sacas de 60
kg de farinha. Cada saca de farinha é vendida a R$ 160,00. “O preço já esteve
melhor”, lembra.
Na várzea, o ressecamento do solo proveniente do acúmulo de
areia (sedimentos) depositados nas áreas mais baixas das duas margens do rio
impede o crescimento das árvores plantadas e resulta no consequente
atrofiamento do caule e o apodrecimento da raiz.
De fevereiro a março, período da cheia, o preço do produto
alcançou R$ 200,00 com o aumento da procura. Com a vazante do rio, caiu para R$
160,00 a saca. Para baratear mais os custos eles optaram pela mão de obra
familiar e adotam um sistema de revezamento entre os próprios parentes.
A produção de farinha em forma de mutirão familiar é
realizada por meio do revezamento. Um
grupo de parentes inicia a empreita e
quando termina vai ajudar os outros integrantes da família. O agricultor disse
ainda que, a cooperativa vai ganhar uma aliada, a agroindústria de babaçu que
entra em funcionamento no primeiro trimestre de 2015.
A expectativa é de que a agroindústria traga um novo impulso
para a comercialização da farinha regional e polpa de frutas como abacaxi,
acerola, caju, goiaba, além de açaí e abacaba.
Difícil recomeço
A bordo da embarcação “Caçote”, que realiza duas viagens por
semana à região, várias
pessoas atingidas pela cheia retornavam às suas propriedades.
Luzia Silva, 45 anos, é uma delas. A agricultora contou que a família está recomeçando
a vida. Embora sua propriedade não tenha sido inundada, foi retirada pela
Defesa Civil por medida de segurança. Com a ajuda dos filhos, plantou quatro
hectares de macaxeira na comunidade de Porto Jacarezinho, Gleba Rio Preto, onde
mora.
Distante da sede da Agrexban, Luzia reclama dos baixos
preços pagos pelos atravessadores. Propõe ao governo que construa uma casa de
apoio na capital, espécie de abrigo onde os ribeirinhos, os verdadeiros produtores
possam permanecer até encontrar melhor preço para os produtos e fugir dos
intermediários.
No período do pós-enchente, até as mudas para plantar estão
escassas. Não há mudas de mandioca na região do Baixo-Madeira e, segundo Luzia,
o agricultor é obrigado a usar a espécie “açarana”. A “urana” que produz com 1
ano e também é chamada de “olho roxo” virou uma raridade na região. A “arranha
céu”, que leva 2 anos para amadurecer e ficar no ponto para produção de farinha,
foi adquirida em outras áreas de cultivo mais distantes.
A falta de mudas não é o único problema nas comunidades
ribeirinhas. Onde Luzia mora, o posto de saúde fechou há 5 anos, a única escola
está caindo e só tem dois alunos de 4ª série. Quando uma pessoa adoece tem que
viajar 3h30 de barco com “motor rabeta” até o posto de saúde mais próximo em
Calama. “Muitos já abandonaram suas terras por falta de condições de estudos
para seus filhos”, conta a agricultora.
Por Abdoral Cardoso